quinta-feira, 12 de março de 2009

Absurdos VI

Entregou-se luxuosamente à preguiça. Os dias a seguirem-se velozmente uns aos outros provocavam-lhe aquela sensação de que andava constantemente a perder algo. Alimentava-se de sonhos, pelo que o mundano cada vez lhe ia parecendo uma realidade mais distante. Pouco lhe prendia o interesse até porque cada vez mais tinha dificuldades em desprender-se do passado. Sucumbia à loja de recordações que se instalara confortavelmente no seu cérebro. Lembrava-se frequentemente do Mito do Eterno Retorno. Vivia aprisionada numa dimensão que há muito deixara de fazer sentido, mas movia-a o ímpeto de que um dia de uma forma ou de outra tudo aquilo teria um fim. Tudo tem. Os piores pesadelos como os melhores sonhos inevitavelmente um dia terminam, e estava satisfeita por ao menos ter essa certeza.
Depois dos seus trinta minutos de meditação diária, prazer que se tornara cada vez mais essencial ao seu limitado bem-estar, decidiu ganhar coragem e saiu de casa (tarefa cada vez mais complicada sem a ajuda de um qualquer alucinogénico) e rumou em direcção a nenhum sítio em particular. Tinha os seus melhores devaneios com as mãos no volante sem nunca perceber porquê, já guardava no porta-luvas um caderno e um lápis de forma a nunca perder nenhumas destas preciosidades rodoviárias.
Foi dar à praia. Ficou contente por ainda ter no carro uma toalha esquecida do Verão. Estendeu-a na areia e por alguns minutos abstraiu-se por completo enquanto olhava para a azáfama dos corredores de ondas. Sobressaltou-se por um arrepio extremamente familiar. Evitou olhar pois queria adiar aquela incómoda certeza pelo máximo de tempo possível. Era impressionante a quantidade de vezes que aqueles dois destinos faziam questão de se cruzar. Levantou-se e com o passo apressado e o coração a tentar explodir-lhe com o peito voltou ao carro e de seguida ao seu espaço de segurança. Era ali que deveria estar, era dali que nunca deveria ter saído.
Entregou-se ao ócio sendo despertada de vez em quando por uma ou outra ideia que implicavam sair da sua zona de conforto. Cada vez cedia menos, pois tinha consciência que o seu lugar era ali - longe do mundo, longe de si própria e principalmente longe do mal que era capaz de infligir a si mesma.

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